A Cariátide

Parte I – O roubo da história

A Grécia é o berço da civilização ocidental. A partir dela o ocidente floresceu. Na Grécia nasceu a democracia, a filosofia, os jogos olímpicos, as ciências políticas, a literatura ocidental, as artes cênicas ocidentais (tragédia e comédia) a ciência e matemática. Aqui damos um destaque a arquitetura que foi elevada ao estado da arte pelos gregos.

O Professor Anastidis Anastopoulos, um renomado arqueólogo voltado ao estudo das artes e arquitetura grega, realizava palestras sobre o tema e, jamais deixara de comentar, claro, sobre o Parthenon, templo dedicado a deusa Athena e o templo de Erecteion, construído ao lado, consagrado a deusa Athena e Posídon.

Anastidis nunca deixava de comentar o que ele considerava como “roubo” de uma das 6 Cariátides, (moças de Kayai) do complexo arquitetônico, colunas em forma de mulher, esculpidas por Alcamenes, discípulo de Fídias .

Essa Cariátide, dizia ele sempre irritado, foi na verdade comprada, de forma escusa, pelo embaixador inglês, Lord Elgin em 1816 e levada para a Inglaterra onde está exposta no museu britânico até hoje.

Apesar de diversas tentativas, a Inglaterra nunca quis se redimir, devolvendo o artefato ao local de origem.

Em uma dessas palestras, estava presente um importante empresário grego que nessa ocasião, patrocinava o evento.

Anastassios Teodoratis, milionário, era armador, possuía uma grande frota de navios petroleiros e porta-containers. Além disso, era dono de uma das maiores empresas de segurança patrimonial da Europa com subsidiárias em vários países. Ter uma empresa de segurança para quem cuida de transporte marítimo é um diferencial importante, uma vez que petroleiros e porta-containers são muito visados por piratas modernos principalmente quando passam pelo chifre da África, atacados por quadrilhas somalis. Nos portos, o roubo de containers ou seus conteúdos é maior do que se tem conta. Ter uma empresa que cuida da segurança em transporte marítimo é quase parte do core business.

Após a palestra, Anastassios pediu para conversar com Anastidis.

Um uma sala reservada, Anastassios elogiou a palestra e revelou que comunga do mesmo sentimento em relação a Cariátide.

Anastassios perguntou ao palestrante se não havia maneira de fazer os ingleses devolverem a coluna. Anastidis foi taxativo. Muitos e constantes pedidos são feitos, contatos diplomáticos entre o governo grego e a coroa já foram tentados mas nunca obtiveram um sinal positivo.

Anastassios perguntou:

– Será possível comprá-la?

– Isso também já foi tentado, revelou o professor Anastidis.

Anastassios então pediu mais informações e detalhes sobre a escultura da Cariátide.

O Professor Anastidis comentu que a coluna era feita de mármore com 1,77m de altura pesando ente 4 e 5 toneladas. Após todos esses anos, tornou-se algo frágil. Pudemos perceber essa fragilidade quando realizamos a limpeza, com laser, nas outras Cariátides.

– Professor, Em sua palestra, a única que acompanhei pessoalmente, reparei que há alguns assistentes mais exaltados. Será que não há algum ou alguns deles que pensem na loucura de roubá-la?

– Não, claro que não. Sempre falo sobre o tema para que a pressão popular possa ecoar até mesmo na Inglaterra.

– Claro professor, o roubo só é viável em um enredo de Hollywood. Saiba que a segurança física privada do museu britânico é feita pela minha empresa e tenho uma reputação a zelar.

– Segurança sendo o seu negócio. Assegure que isso não vai acontecer.

Anastidis ainda comentou sobre outras descobertas que foram feitas recentemente, provando que há ainda muito a ser revelado sobre o passado da Grécia.

Anastassios disse ao professor que desejava patrocinar outras palestras e eventualmente alguma expedição, o que deixou Anastidis muito feliz e grato.

Fim de conversa. Ficaram de se encontrar novamente em breve.

Anastassios pensou: “Preciso conversar com o pessoal do museu”

 

Parte II – Aumentando a segurança

 

Em função da conversa e do que presenciou na palestra, Anastassios procurou a direção do museu britânico a fim de propor uma alteração na segurança da Cariátide.

– Vemos com bons olhos a sua sugestão. Vemos que apesar de grego, você é apreciador das artes e prima pela segurança de objetos de valor inestimável.

– Tanto eu como o professor Anistidis temos a intenção de protegê-la. O intuito dele e de todos os gregos é que ela volte para a Acrópole mas, não sendo possível, que ninguém tente roubá-la.

– E qual é a sua sugestão, Anastassios?

– Contratem uma fornecedora de equipamentos de proteção, hardware e software para ser instalada exclusivamente para proteção dela.

A Cariátide está exposta em um local separado, com uma viga acima do topo, imitando o formato da viga na varanda do templo. Atrás dela há um recuo vazio.

– Sugiro colocar sensores de laser no teto criando um perímetro de um metro de distância da coluna. Ninguém deve se aproximar mais do que isso. A central de monitoramento deve ser anexada à existente para as demais instalações mas, exclusiva para ela.

– Vamos reunir o conselho e deliberar. Obrigado pela orientação e sugestão.

Levou algum tempo para que a burocracia fosse transposta, os equipamentos comprados e devidamente instalados.

Como o marketing é sempre um bom vendedor, foi agendado um evento para a apresentação dessa novidade, ao público e o governo. Acharam que assim mostrariam aos gregos que estavam cuidando da Cariátide melhor do eles fariam.

Representantes da Câmara dos Lordes, dos Comuns, e da coroa estariam presentes. Era um evento que mexe com a mídia. Assim sendo, haveria dezenas de jornalistas e transmissão por streaming.

A apresentação do novo aparato de segurança foi apresentado pelo diretor do museu que destacou os cuidados excepcionais com um artefato histórico de valor inestimável.

Para fazer uma demonstração, o diretor solicitou ao responsável pela segurança que ligasse os dispositivos laser que criam uma cerca vermelha ao redor da Cariátide há um metro de distância.

Os dispositivos foram ligados e apareceu a todos uma cerca luminosa em torno do nicho onde a coluna está.

Todos aplaudiram.

De repente, os feixes luminosos começaram a piscar e a cerca começou a se aproximar da coluna. Alguém gritou.

– Desliguem isso agora mesmo.

Nada aconteceu, ou melhor, aconteceu.

O feixe se concentrou no colo da coluna. Em movimentos rápidos, típicos do laser, começou a imprimir algo no corpo da estátua.

“ROUBADA” e embaixo “PERTENCE AO POVO GREGO”

Em seguida os feixes se desligaram.

Um escândalo. A imprensa transmitiu ao vivo no Youtube. Centenas de flashes iluminaram a coluna. Centenas de fotos e videos que não demoraram a ser postados nas redes sociais.

O diretor não sabia o que fazer, os representantes da coroa britânica saíram à francesa. Deputados e Senadores protestaram.

– Chamem Anastassios aqui e agora.

Anastassios estava presente ao evento, é claro mas nesse momento, estava, junto com seus funcionários cuidando da segurança de todos os presentes, evitando tumulto maior e protegendo os valiosos artigos expostos.

Anastassios se apresentou ao diretor.

– Me explique isso.

– Eu não tenho nada a explicar. Minha empresa e meu pessoal cuida da segurança dos visitantes e dos objetos expostos. O que aconteceu aqui é de responsabilidade da empresa contratada para instalar os dispositivos. Converse com eles.

O diretor ficou sem ação.

– Chamem os responsáveis pela instalação e ação dos equipamentos de segurança, bradou o diretor.

Dois rapazes, instaladores e operadores apareceram, dizendo ser os responsáveis pela operação apenas.

Nisso aparecem os primeiros policiais. O diretor pede que ambos sejam levados presos.

Todos foram para a delegacia. No museu, as coisas foram se acalmando e, por determinação do diretor foi fechado.  Assim permaneceria até que uma perícia nos equipamentos fosse feita.

Quanto a Cariátide, essa também ficou isolada e nem mesmo peritos puderam se aproximar para verificar a extensão dos danos.

Antes de sair do museu, Anastassios tirou uma foto muito bem enquadrada da coluna e do que foi impresso em seu colo e em seguida enviou, via WhtasApp para o professor Anistidis sem nenhum texto. O conteúdo da foto era autoexplicativo.

Dada a importância do acontecido, a Scotland Yard e o MI6 entrariam no caso. Era um caso de repercussão internacional.

O governo inglês acusou o governo grego de estar por trás do acontecido e o governo grego acusava o governo inglês de ser incompetente para cuidar de uma obra “roubada” do povo grego. Um vexame épico.

Anastassios foi um dos primeiros a depor, por ser grego. Puro preconceito.

– Como afirmei após o ocorrido, nem eu nem meu pessoal tem relação com o fato. Meus funcionários são homens brutos, preparados para o confronto pessoal. Não lidamos com equipamentos eletrônicos nem tão pouco lidamos com segurança eletrônica. A solução deve ser encontrada com a empresa que instalou os equipamentos e os configurou.

Peritos da Scotland Yard foram ao museu e lá analisaram e recolheram todos os equipamentos envolvidos. Fontes de laser, mesas de controle, modens etc., que foram enviados ao laboratório forense ou ao MI6.

O diretor como responsável geral, seria demitido e indiciado.

A mídia internacional repercutiu o caso e não perderam tempo em lembrar do caso do busto de Nefertiti, levado do Egito e exposto No Neues Museum em Berlim.

Ongs iniciaram movimentos pelo retorno de antiguidades para seus países de origem. Até a Mona Lisa Del Giocondo (Senhora Lisa esposa de Giocondo) foi lembrada.

Nos dias que se seguiram, o museu britânico foi reaberto mas, sem a Cariátide que foi colocada em local seguro em outra sala do museu mas, ainda sem que pudesse ser avaliada pelos peritos do museu. Afinal, a Cariátide era a vítima, a arma era o laser, o autor ainda desconhecido, assim como o mandante.

O que parecia absolutamente claro era o motivo. O ego de um povo alijado de parte de seu passado tinha a sua revanche.

 

Parte III – Afinal, as consequências.

Até mesmo o Prof. Anastidis foi intimado a depor, o que fez de boa vontade mesmo tendo o caso ocorrido em outro país. A lista de presença dos últimos eventos foi solicitada.

Enquanto isso, o MI6 continuava analisar os equipamentos de segurança. Para isso, intimou a empresa fabricante dos equipamentos e do software de gerenciamento que, em última instância, foi o responsável pelo movimento dos lasers para cima da Cariátide.

A empresa fabricante entregou cópia do projeto de hardware e cópia do código fonte do software de gerenciamento. Nada de anormal foi encontrado. Uma vez que o sistema funciona offline, não poderia ter havido interferência externa. As análises continuaram a ser feitas.

De volta à Grécia, Anastassios procurou o professor Anastidis para juntos comentar o ocorrido.

– Professor, o Sr. Acha que a Cariátide está irremediavelmente perdida?

– Não pude examiná-la de perto, isso prejudica minha análise. Nós utilizamos laser para limpar as outras colunas em um processo desenvolvido aqui. Pelas fotos publicadas, a profundidade da impressão é maior. Não sei se a fragilizou. De toda sorte, um bom restauro pode deixar imperceptível a impressão.

– Professor, estamos a sós, por isso sinto-me a vontade para perguntar. O Sr. Tem alguma ligação com o ocorrido? O que quer que seja dito não sairá dessa sala.

– Sr. Anastassios, o que o senhor tem a ver com o evento? O que disser não será repetido fora daqui.

Ambos ficaram sérios por um instante até que Anastassios, deu uma boa risada.

– Ambos somos suspeitos, não é? O Sr. Conseguiu levantar algum suspeito dentro da lista de pessoas que já assistiram suas palestras?

– Entreguei às autoridades as listas de presença e sinceramente, não acho que os responsáveis estejam nelas. Cão que ladra, não morde. E o Sr. Tem algum suspeito?

– Sim e não. Conheço pessoas que desejariam explodir a Cariátide a vê-la por mais tempo nas mãos dos ingleses mas, ninguém com conhecimento tecnológico para realizá-lo daquela forma.

Não foi um atentado, foi uma forma de chamar a atenção a um problema que acontece na Inglaterra, na Alemanha, na França e qualquer outro país que detenha ilegalmente ou imoralmente obras de arte de outros países. É parecido com as manifestações do GreenPeace que colocam faixas em instalações para chamar a atenção a certos problemas. Então, o responsável ou responsáveis devem ser ativistas.

– Mas poderiam ter destruído a coluna, disse o Prof.

– Para ativistas, os meios justificam os fins, o inverso do ditado popular. E quer saber, Professor, eu gostei muito do que aconteceu. Assim, os ingleses perdem um pouco da soberba e a Grécia saiu fortalecida.

– Anastassios, não houve problemas para você? Afinal a segurança do museu é sua responsabilidade.

– Não Anastidis. Eu saí fortalecido porque garanti a segurança da coluna antes durante e depois da instalação do sistema e, após o tumulto, minha equipe cuidou para que nada mais acontecesse. Conseguimos a evacuação do museu sem qualquer intercorrência. Minha equipe foi fantástica e elogiada pelas autoridades.

– Muito bom. Agora, resta saber quem foi.

– Seja quem for, será condenado na Inglaterra e deveria ser condecorado aqui na Grécia.

Ambos riram.

A verdade é que, conforme comprovado pelo MI6, o problema ficou centrado no software que comanda os movimentos dos dispositivos lazer. Ao invés de criar um perímetro de segurança, foi ativado de forma a intensificar os raios e escrever o texto que ficou impresso na Cariátide.

Restava agora saber quem fez isso. Alguém de dentro da empresa desenvolvedora do software ou fora e, quem financiou a empreitada.

Esta fase é mais complicada e para dar andamento, tanto empregados atuais como antigos foram intimados a depor.

Em paralelo, todos os museus, mormente os europeus e norte americanos, que detém objetos confiscados ou roubados de outros países, passaram a ter outros cuidados.

Ongs e organizações não governamentais e multilaterais agora sofrem pressão para devolver todos os objetos que não sejam de sua própria cultura ou país.

Ingressos não remuneram a honra perdida de culturas milenares, saqueadas por colonizadores.

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