Parte I – O que aconteceu
A Holanda é um país diferenciado. Com uma costa entrecortada e terras outrora alagadas, aumenta seu território literalmente tomando-as do oceano. Metade do país tem altitude média de 1 metro e boa parte está abaixo do nível do mar.
O “geweld- en misdaadindex” ou, índice de violência e criminalidade é muito baixo. Em parte isso se deve pela discriminação das drogas e parte pela qualidade dos presídios que exercem efetivamente a função de ressocializar os detentos. Essa política, funciona em um país com 18 milhões de habitantes. Não é escalável para países grandes com grandes populações.
Ao sul está a cidade de Breda na província de Brabante do Norte. Centro industrial importante, sua população é trabalhadora e ordeira. Crimes, quando ocorrem são leves e rapidamente solucionados.
As pessoas vivem para o trabalho mas, costumam ir ao “Grote Markt”, grande mercado, lugar que concentra cafés e restaurantes, para um papo com os amigos e tomar algumas das ótimas cervejas holandesas.
Bram Van Leeuwen é casado com Emma Van Leeuwen e tem uma filha única, pós adolescente, chamada Layla Van Leeuwen.
Como fazia vez por outra, Layla ia com os amigos inseparáveis, Daan De Witt e Mirte Dekker ao Grote Markt para uma noite de papo e descontração. Sempre voltava para casa antes da 1 da manhã.
Seus pais dormiam sossegados pois sabiam que, sempre daria tudo certo. Mas, uma noite não deu.
Por volta da meia noite e meia, Emma ouviu a porta da entrada da casa abrir e em seguida fechar. Sempre fazia algum barulho ao encostar no batente. Ouviu também o barulho de um carro se afastando. Em seguida, Emma pensou, agora vem o rangido da escada. Um dos degraus sempre range. Layla já havia pensado em pular o degrau que range mas desistiu quando soube que a mãe se tranquilizava quando o ouvia. Era a certeza de que Layla estava em segurança em casa. É bom, é parte da casa e ninguém nunca quis reparar.
Emma aguardou um pouco mas nada de rangido. Olhou por debaixo da porta e não viu a fresta de luz vinda do corredor.
Emma aguardou mais um pouco. Ansiosa, levantou-se sem acordar Bram e foi ver se a sua filha estava na cozinha. Saindo do quarto, viu que a porta do quarto e do banheiro estavam abertas. Desceu as escadas. Lá embaixo, tudo escuro. Ela foi até a porta. Abriu, olhou para fora. A rua estava vazia.
– Sonhei que ela havia chegado, pensou Emma.
Ela subiu e se deitou mas, por alguma razão não conseguiu mais dormir. Algum tempo depois, olhou o relógio. Marca 1:15 da manhã. Emma se levantou, saiu do quarto e gelou quando viu que as portas do quarto de sua filha e do banheiro estavam abertas e no interior da casa nenhuma iluminação.
Ela pegou o celular e telefonou para Layla. Deu caixa postal. Ligou novamente. Caixa postal.
Suando frio, voltou para o quarto e gentilmente acordou Bram.
– Bram. São 1:20 e Layla ainda não chegou.
– O papo deve estar bom, disse ele. Liga para ela.
– Eu já liguei mas, dá caixa postal.
– A bateria acabou, disse ele.
– Estou com mal pressentimento, disse Emma.
– Lique para o celular do Daan ou da Mirte.
– Boa ideia.
Emma ligou para o celular de Daan deu caixa postal. Tentou Mirte. Dessa vez chamou e ala atendeu.
– Boa noite Mirte. É Emma, mãe de Layla.
– Sim Dona Emma. Eu reconheci o seu telefone. Aconteceu alguma coisa.
– Sim, cadê a Layla? Não estava com vocês?
– Sim estava, deixamos ela em casa, em seguida o Daan me deixou em casa e foi para a dele.
– Você viu Layla entrar em casa?
– Sim, como sempre, aguardamos ela entrar para irmos embora.
– Eu também ouvi a porta abrir e fechar mas Layla não está em casa.
– Dona Emma, a Sra. está bem? Eu vi a Layla entrar. Ela tem que estar em casa.
– Mas não está Mirte. Me conte o que aconteceu com ela!
– Eu não sei. Eu não sei.
Emma desligou o telefone e não atendeu quando viu que era Mirte tentando ligar.
Assim que Emma deu por si, viu que Bram já estava vestido.
– Vista-se Emma, vamos à delegacia.
– Vá pegando o carro, volto em 1 minuto.
Ao sair para fora, aguardando Bram aparecer com o carro que fica em um estacionamento próximo, Emma viu um objeto junto a parede, perto da porta. Era o celular de Layla. Ela o reconheceu pela capa florida. Em um ímpeto de apanhá-lo, foi impedida por um grito de Bram. – Seja o que for, não pegue com suas mãos.
Emma olhou para Bram com ar de reprovação mas, entendeu o recado. Retirou o casaco que estava nas suas costas e com ele recolheu o celular.
– É da Layla. Eu o reconheço.
Bram e Emma foram à delegacia. Nunca tinham estado em uma delas. Aliás, em Breda, exceto bêbados e arruaceiros, ninguém nunca ia à delegacia.
Tão logo chegaram foram recebidos e puderam contar ao Delegado de plantão, Rutger de Jong, porque estavam lá. Acabado o relato de Emma, o oficial comentou.
– Preciso fazer algumas perguntas, preciso criar um quadro completo do que está acontecendo.
– Primeiro. Será que Layla não foi dar uma volta por aí antes de dormir?
– Não faria isso sem nos avisar. É um trato e um compromisso. Se passar da 1:00 da manhã tem que avisar. Além disso, não iria a lugar algum sem o celular.
Emma tinha se esquecido mas, entregou o celular com toda cautela e informou a senha de acesso. Também, informou sobre o perfil no Instagram para que o Delegado pudesse ver fotos afim de identifica-la.
– Vou periciá-lo e informo o resultado. Caso ela retorne nesse meio tempo, me avise para interromper todo o processo.
– Segundo. Vocês tiveram alguma desavença com ela que desse ensejo a uma fuga ou abandono da casa?
– Não. Claro que não, temos discussões normais de pais e filhos mas, Layla é uma moça muito sensata e amorosa.
– Quem são as pessoas com quem ela esteve ontem à noite?
– São amigos de longa data, sempre saem juntos e ontem não foi diferente.
– Podem me passar os dados dessas pessoas? Vou tomar os depoimentos delas. Afinal, foram as últimas pessoas com quem Layla teve contato.
– Emma passou os números dos celulares e endereços que tinha, ao Delegado.
– O que mais pode ser feito, perguntou Bram.
– Vou finalizar o aangifte, boletim de ocorrência, e em seguida expedir um alerta a todas as unidades, a princípio em Breda e depois em toda a Holanda. Vou também notificar hospitais, clínicas e verificar registros de óbito.
– Agradecemos qualquer ajuda para encontrar a nossa Layla, disse Bram.
– Vão para casa e lá aguardem. Caso lembrem de algum fato relevante, me informe. Agora é conosco aqui na polícia.
Emma e Bram foram embora juntando as forças que ainda tinham, revirando a memória para ver se algo estava escapando.
Parte II – Um caso de polícia
Rutger, o Delegado mandou o celular para a perícia. Desejava saber quais eram as impressões digitais que estavam nele e, quais as últimas ligações recebidas e efetuadas por Layla.
Nesse meio tempo, convocou Mirte e Daan para darem depoimento.
Na oitiva, separadas, diga-se de passagem, Mirte e Daan responderam as mesmas questões:
Qual era o relacionamento entre eles e Layla, se há algum viés amoroso entre eles, com que frequência se encontravam, quais assuntos costumavam discutir, se havia divergência com relação a questões políticas ou sociais, o que discutiram naquela noite, o que comeram, o que beberam.
Porém, a questão crucial foi a descrição pormenorizada da sequência de fatos entre a saída do Grote Markt até a chegada da casa de Layla.
Ambos foram consistentes na descrição da sequência informando que por volta das 0:30 minutos, pagaram a conta, entraram no carro de Daan e foram direto até a casa de Layla. Lá se despediram, esperaram ela entrar em casa e de lá foram embora. Daan deixando Mirte em sua casa e Daan seguindo para a própria casa.
Pela experiencia do Delegado Rutger, não houve nenhuma inconsistência nos depoimentos e ambos estiveram tranquilos, embora muito preocupados com Layla, durante o depoimento.
– Até agora não tenho nada. Vou aguardar a perícia no celular e solicitar as gravações de vídeo do Grote Markt naquela noite e se, possível, colher vídeos de câmeras próximas a casa de Layla e algum depoimento de vizinhos.
Na Holanda, quando há casos em que pessoas que residam próximos a algum lugar onde um fato policial ocorreu, recebem uma carta da polícia pedindo apoio e possíveis informações.
Alguns dias se passaram e a perícia no celular de Layla ficou pronta. Rutger telefonou para os pais de Layla solicitando que fossem até a delegacia.
Assim que chegaram, foram recebidos pelo próprio delegado que de pronto devolveu o celular para os pais dizendo que não havia absolutamente nada de anormal. As impressões digitais eram de Layla e as últimas ligações tinham ocorrido ao final da tarde entre ela e Mirte cujo teor, confirmado, foi sobre o horário em que eles iriam se encontram naquela noite.
– Então, Dr. Rutger, o que temos até aqui perguntou Bram.
– Sr. e Sra. Van Leeuwen, nada. Não temos nada. Ela sumiu, evaporou, nem mesmo as câmeras do Markt ou testemunho de vizinhos ajudam. Ninguém viu nada, para todos os efeitos, ela deveria estar em casa. Não a encontramos em nenhum hospital e não há registro de óbito de alguém com as características dela. É um mistério.
Emma não resistiu e caiu em lágrimas, foi amparada pelo marido que informou ao delegado que Emma estava sob efeito de tranquilizantes e antidepressivos.
– É compreensível, disse Rutger. Agora, o que temos é o tempo, esperar para que algum fato ou informação apareça e nos dê uma direção a seguir. Me desculpem.
Bram e Emma saíram da delegacia tão sem rumo como as investigações. Chegando em casa, com Emma recomposta, eles conversaram e se propuseram a viver um dia de cada vez a partir daquela data.
Parte III – Layla é vista
Os dias se passaram, semanas se passaram, meses se passaram. Nada! Nenhuma informação sobre Layla.
A vida do Sr. E Sra. Van Leeuwen se tornou um vazio enorme. A falta de informação é muito pior do que qualquer informação.
A vida não era mais a mesma, a dor, o sofrimento toram conta dos pais. Mirte e Daan, visitavam com frequência a casa dos pais de Layla.
Bram conversava com o Delegado ao menos uma vez por semana. Rutger era pai e sabia o que eles estavam sentindo. Era atencioso, colaborativo e transparente mas, nada podia fazer. Não havia pistas ou qualquer informação sobre Layla.
Porém, uma noite, Emma acordou de sobressalto. Tinha certeza de ter ouvido a porta de casa abrir e fechar. Sentiu o coração pular.
Alguns instantes depois a escada rangeu.
– Meu Deus! É Layla disse Emma para si mesma.
Ela saiu da cama e foi até o corredor. Lá estava Layla viva, bela e jovem.
Layla se assustou ao ver a mãe no corredor. Sussurrando ela falou
– Mãe. Te acordei? Precisamos consertar essa escada. O rangido está cada dia mais alto.
– Emma correu, abraçou a filha por um bom tempo sem largá-la e sem dizer uma única palavra.
– Mãe. O que está acontecendo? Você está bem?
– Você voltou minha filha. Você está em casa novamente.
– Eu saí daqui há poucas horas. Não estou entendendo.
– Layla minha filha. É muito bom vê-la.
Emma deu meia volta voltando para o seu quarto.
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