Parte I – Um grande evento
Salvatore Gerotto era “oriundi”. Sua família havia emigrado no início do século XX, alguns anos após a unificação da Itália em 1870 quando Roma foi reconquistada e tornou-se a capital, na época em que o governo italiano passou a ser chefiado por Francesco Crispi.
A instabilidade política e social empobreceu a população. Isso gerou uma onde emigratória para as emergentes américas. Com a família Gerotto não foi diferente.
Mas agora Salvatore estava de volta ao que ele chamava de “mia amata terra”.
Emiliana Trova também era uma descendente de emigrantes. Eles se conheceram no “exílio” mas, agora estavam na “madrepatria.
Salvatore tão logo chegou na Itália, iniciou o processo de naturalização para usufruir do que se chama, em latim “jus sanguinis” o direito de sangue.
Salvatore era um esportista admirável, paraquedista muito experiente, campeoníssimo e entusiasta do B.A.S.E. (Building Antenna Span & Earth) jumping. Sempre procurava lugares exóticos e naturais para saltar. Jamais havia saltado de prédios ou pontes. Sempre saltava em ambientes naturais como montanhas e paredões.
Emiliana era fotografa, conhecera Salvatore em um campeonato e sempre que podia acompanhava o que ela chamava de – sua mina de ouro – uma vez que vendia sempre e muito bem as fotos tiradas das aventuras de Salvatore.
Salvatore ainda não havia realizado nenhum salto na Itália. Sabendo que a costa Amalfitana além de bela possuía escarpas e paredões, eles decidiram passar uma temporada por lá realizando novas aventuras.
A costa Amalfitana faz parte da Campania, região sul da Itália banhada pelo mar tirreno. É patrimônio mundial da humanidade. É uma linha costeira de cerca de 80 quilômetros de praias, costões, escarpas e paredões entre mais de uma dezena de cidades. Um paraíso.
Viajavam de carro levando seus aparatos. Salvatore com seus paraquedas, Emiliana com seus equipamentos fotográficos.
Nos primeiros dias na região, Salvatore, maravilhado pela natureza, ficou escolhendo lugares em potencial para saltar. Emiliana lotou cartões de memória com fotos da região.
Escolhido o local ideal para saltar, consultou as autoridades locais para obter permissão e organizar o resgate. Ele pretendia saltar de um paredão e ser resgatado no mar por lancha ou moto aquática.
Demorou para obter permissão para saltar mas, como era conhecido e campeão, as autoridades permitiram com a contrapartida de poder promover o evento atraindo mais turistas.
Passaram-se uns poucos dias até a organização do evento, marcado para um domingo, evidentemente.
No dia marcado, um belíssimo domingo ensolarado, um público acima do normal para a época, estava nas proximidades do local marcado para o salto, uma lancha e duas motos aquáticas estavam prontas para o resgate.
Salvatore já estava preparado, escolhera o paraquedas mais adequando para o local, altitude e condições de vento. Emiliana já colocara sua câmera no local de melhor ângulo com ótima visibilidade de Salvatore, do local do salto e do local provável de pouso.
Um helicóptero, outras lanchas e motos aquáticas de turistas ficaram mais distantes. Mesmo assim permitiam ótima visibilidade e condições para filmar e fotografar o salto.
Tudo pronto para o salto.
Parte II – O último salto
– Olhe para mim antes de saltar, gritou Emiliana. Quero tirar uma foto do instante imediato.
Salvatore fez um sinal de positivo com o polegar.
– Tudo pronto. Disse ele!
Ouviu-se então o som de um megafone dos organizadores marcando o momento para que ninguém perdesse um único instante do salto.
Salvatore balançou a cabeça em sinal positivo, segurou firmemente o pilotinho com a mão direita e olhou para Emiliana.
Saltou!
Estranhamente Salvatore não lançou o pilotinho, um pequeno paraquedas que fica na mão do paraquedista que, assim que salta, atira-o para trás. Ele infla e abre o velame. O paraquedas não abriu. O público entendendo que algo de errado estava acontecendo gritou. Salvatore caiu batendo na água como se fosse no asfalto. Um som surdo, horrível de ouvir.
As duas motos aquáticas mais próximas se aproximaram de Salvatore. A Lancha se aproximou e o recolheu. Ao redor e no penhasco havia silêncio.
Emiliana largou tudo e correu para baixo, descendo o morro como se fosse uma cabra montes.
Lá de baixo, tanto os homens da lancha quanto das motos fizeram sinais indicando que nada mais poderia ser feito.
Salvatore è morto!
O que era para ser uma festa local se transformou em tragédia. Ninguém entendera o que aconteceu. Porque Salvatore não soltou o pilotinho.
Os carabinieri foram chamados par recolher o corpo de Salvatore para a realização da autópsia.
Um processo foi aberto. A morte do paraquedista foi incompreensível.
A imprensa, presente ao local entrevistou outros paraquedistas presentes, foram unânimes em desconhecer a causa que aparentemente travou Salvatore. Não havia explicação plausível.
A polícia requisitou todas as filmagens e fotografias para que peritos pudessem analisar o que aconteceu. A bela costa Amalfitana tinha um mistério a ser revelado.
A Itália, um país burocrático realizou todos os procedimentos que o caso demandava.
Tomou depoimentos de turistas, de personalidades, de outros paraquedistas e é claro, de Emiliana.
Não houve uma única pessoa que tivesse alguma ideia sobre as razões do acontecido.
O investigador encarregado do processo, Arturo Solagio leu e releu todas as páginas de todos os depoimentos. Estava sem saída.
Ainda restava assistir a todos os vídeos e ver todas as fotos do evento, procurando algo que estivesse fora do normal.
Entre os vídeos feitos a partir de uma lancha de turistas havia um que pegava o penhasco em um ângulo mais aberto permitindo ver alguns turistas mais ao lado de Salvatore e Emiliana posicionada a poucos metros, com sua máquina fotográfica.
Um trecho desse vídeo chamou a atenção de Arturo Solagio.
A resolução não era das melhores mas, podia ser melhorada digitalmente.
– Melhorem a resolução desse trecho. Quero ter certeza do que eu estou vendo aqui.
Técnicos da polícia trabalharam o bastante para dar excelente visão do que chamara a atenção do investigador.
O trecho em questão mostrava Salvatore após o salto e Emiliana com um “sorriso” suspeito.
– Chamem novamente essa moça aqui. Quero saber o que há de engraçado nessa tragédia.
Emiliana se apresentou e foi prontamente atendida pelo investigador que exibiu a ela o trecho do vídeo.
– Apenas nervoso, Investigador, nada mais. Disse ela.
– Nervoso? O salto apenas se iniciava. Você já o viu saltar dezenas de vezes.
– Sempre fico assim, Sr. Arturo.
– Só isso mesmo?
– Apenas isso, confirmo.
– Não, Srta. Emiliana não é só isso.
Parte III – Uma descoberta surpreendente.
A forma como Emiliana respondia as questões propostas pelo investigador o fez suspeitar que ela tinha alguma relação com o fato. Havia um olhar frio e fugidio.
– Qual era a sua relação como Salvatore?
– Profissional e algo pessoal. Salvatore e eu tínhamos um trato. Eu documentava suas aventuras e em contrapartida podia vender as imagens.
– Eram namorados?
– Não. Nunca tivemos nada.
– A Srta. Não parece estar sentindo a morte dele.
– Já vi muita tragédia na minha vida. Me tornei uma pessoa menos sentimental.
Arturo mostrou a Emiliana um documento para ela assinar. Era uma intimação para que ela não se ausentasse da cidade até que houvesse permissão.
A contragosto ela assinou, levantou-se e saiu.
– Aqui tem mais do que está parecendo, pensou Arturo. Aquele sorriso não me sai da cabeça. Ela gostou do que estava vendo e sabia qual seria o desfecho mas, as imagens não mostram nenhuma intervenção dela. Salvatore estava bem, ativo, concentrado, isolado, senhor de si antes do salto. O que ela sabe que eu não sei.
Dois dias depois, chegou o relatório da autópsia confirmando a morte por politraumatismo.
Arturo também recebeu um relatório como o histórico médico de Salvatore.
– Como isso veio parar aqui.
O perito que entregara o relatório da autópsia informou que era uma cópia do histórico médico de Salvatore.
– Mas porque isso?
– Procurando explicações, nós da perícia desejávamos saber se Salvatore possuía alguma patologia, como diabetes, pressão alta ou outra disfunção.
– Preciso ler ou você fará um resumo para mim?
– Salvatore sofria de epilepsia.
– Não me parece que teve um surto naquele momento. Espere um pouco. Tive um estalo. Obrigado pelos relatórios.
Arturo pediu aos peritos para ver novamente os vídeos do salto. Agora ele sabia o que procurar e, encontrou.
Saiu de sua sala, pediu para expedirem dois ofícios. Pegou uma viatura e foi atrás da solução do enigma.
Adentrando o hotel onde Emiliana estava hospedada, Arturo a encontrou no terraço.
– Srta., boa tarde.
– Boa tarde Sr. Arturo.
– Para mim, será uma excelente tarde. Para você não.
Arturo pediu para o carabinieri que o acompanhava algemá-la.
– A Srta. está presa pela morte de Salvatore. Vamos também confiscar sua máquina fotográfica.
Emiliana não mexeu um único músculo mas, deu o mesmo sorriso sarcástico.
Arturo enviaria a máquina fotográfica para que a perícia constatasse a modificação feita no mecanismo de disparo do flash. Esse, emite lampejos sequenciais que, vistos por determinadas pessoas provocam ataques de epilepsia fotossensível.
A Epilepsia provoca retesamento muscular, por essa razão Salvatore não soltou o pilotinho e caiu como uma pedra.
Restava a Arturo saber a motivação do assassinato. Agora presa, com as provas irrefutáveis, Emiliana falaria.
E foi o que aconteceu
Agora, em seu depoimento como ré, Emiliana confessou e relatou o porquê de tudo.
– No passado, os Gerotto quase eliminaram os Trova. Apenas minha avó, grávida de minha mãe sobreviveu ao ataque “mafiosi”, fugindo em 1904 para outras terras jurando vingança, assim como minha mãe e eu também fizemos para um dia voltar a “vecchia signora” para lavar a alma da família.
Sim, mafiosos quando atacam outra família matam todos os descendentes a fim de não deixar quem possa se vingar no futuro.
Os Gerotto se acabaram, Apenas Salvatore havia sobrado.
– Minha avó não conseguiu gerar um filho homem. Minha mãe também não gerou mas, eu tive a força para a vingança final. Os Trova venceram. Eu me aproximei de Salvatore e mantive o convívio, sabia da epilepsia e insisti com ele até conseguir que viéssemos para a Itália. Era aqui que a vingança tinha que acontecer.
– Algum arrependimento? Você vai passar o resto da vida na cadeia.
– Nenhum. Tenho um filho pequeno que está em local seguro. Em momento propício saberá da ação de sua mãe pela honra de seu nome. Poderá voltar para a Itália e reconstruir a família Trova.
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