O verão na Europa, mesmo na parte sul, é curto e por isso, as pessoas saem de suas casas após um período de hibernação social. Os que podem viajam dentro de seu próprio país ou para outros países, sempre atrás do sol do verão. Com a família de Elishebba não é diferente.
Abastados, a família Khachaturian apreciava o verão e todos os anos procura o litoral para passar uma temporada. Eles moram em Yerevam, capital da sofrida Armênia, um país com tradições, fronteiras definidas mas, quase um enclave, devido aos conflitos políticos, étnicos e religiosos com seus vizinhos. Isso não faz com que a Armênia tenha menos importância, ao contrário, gerou um povo lutador que defende suas tradições e a cultura mesmo tendo sofrido diversos revezes em lutas internas e regionais ao longo do tempo.
A família Khachaturian formada pelo pai Anania, pela mãe Madalena e sua pequena filha Elisa (Elishebba) é harmônica e sociável mas, discreta e ortodoxa vive uma vida regrada. Anania é comerciante de destaque, a mãe, dona de casa e Elisa, com apenas 4 anos é apenas uma criança alegre e divertida, um amor de menina.
Nesse verão, escolheram o lago Sevan na Croácia para passar uns dias se recuperando da temporada de inverno. Anania gostava de pescar e o fazia todos os verões ou no outono e primavera quando o clima permitia.
Em um dia, a beira do lago enquanto o pai pescava, Madalena lia um bom livro e Elisa se divertia colhendo flores, Madalena foi surpreendida por Elisa que lhe entregou um bilhete dizendo: o homem pediu para entregar para você mamãe. Elisa ainda não sabe ler. Madalena olhou ao redor mas, não viu ninguém.
Abrindo o bilhete ela leu, e arrepiada chamou Anania. Ele se voltou para ela e logo percebeu a expressão, largou sua vara de pesca e correu até ela. Madalena havia agarrado Elisa e a mantinha fortemente abraçada junto a si.
– O que aconteceu, criatura?
– Leia isso, disse ela.
Anania olhou ao redor, até onde a vista alcançava e não viu ninguém. Leu o bilhete, fechou, guardou no bolso da calça e determinou. Nossas férias acabaram. Voltemos ao hotel e de lá vamos voltar para casa.
Madalena nada disse, apenas assentiu com a cabeça. Elisa, sem nada entender, permaneceu calada.
Parece que a paz havia acabado com as férias e quiçá com o futuro.
Retornando para Yerevan, Anania procurou por um amigo, um sacerdote em quem ele confiava cegamente e poderia sugerir o que fazer frente ao conteúdo do bilhete.
Arakel, esse era o nome do sacerdote, leu o bilhete e intrigado, sem saber se compreendia o significado das palavras, comentou com Anania.
Isso me parece um vaticínio e um alerta ao mesmo tempo. O texto no bilhete dizia:
“Elishebba será rainha, amada e odiada por sua linhagem. Protejam-na porque os riscos começam a qualquer tempo, agora ou no futuro”.
O bilhete continha uma “assinatura, na verdade não era um nome mas, uma referência.
AGATANGEGHOS que significa, portador de boas notícias. Na verdade, o texto era claro, havia boas e más notícias.
Arakel, seguiu com seus comentários: Elisa é meio armênia e meio judia, por parte da mãe, fato que a família não comentava para não gerar qualquer tipo de animosidade. Além do mais, a descendência paterna era armênia, ou seja, facilitava as coisas.
O que Arakel e Anania não entenderam era o trecho em que falavam que ela seria rainha. Certo é que a República da Armênia sempre teve problemas com as fronteiras e mesmo hoje, há armênios em países adjacentes cujos territórios deveriam pertencer a ela. Talvez, alguma grande autoridade, alguém que unisse o povo, pudesse criar condições para ajustar as fronteiras para que o país tal como o presidente americano Woodrow Wilson propôs. A Armênia Wilsoniana.
Mas, uma rainha? Quem iria coroar uma rainha e não um rei? Um homem certamente teria mais força e credibilidade na sociedade patriarcal.
Arakel disse: Uma rainha com poderes divinos seria imbatível.
Anania respondeu: Minha menina é só uma doce e adorável criança. Não vejo nela poderes além do normal.
Acho que o vaticínio não é para os tempos atuais. Não se deixe levar por esse pedaço de papel, deixe o tempo correr e vamos acompanhando, disse Arakel, com a concordância de Anania.
A partir desse dia, Anania contratou um segurança apenas para acompanhar Elisa.
Os dias se passaram, alguns anos se passaram. Agora Elisa estava com 14 anos, era uma adolescente, bela, obediente, estudiosa e aparentemente igual às outras meninas da sua idade. Vaidosa, sempre cuidava dos cabelos e usava uma leve maquiagem.
Em um desses dias em que estava frente ao espelho se penteando, viu de repente seu reflexo desaparecer mas a imagem do banheiro, não. O reflexo era idêntico, somente o seu reflexo não estava lá. Assustada tocou o espelho, mexeu no armário em cuja tampa estava o espelho e do nada, uma mensagem apareceu no espelho. Gritou aterrorizada. Seus pais acorreram ao banheiro.
O que todos viam era o espelho com o reflexo correto mas, sem nenhuma imagem quer de Elisa, quer dos pais, apenas um bilhete virtual com a mensagem.
“Elisheba. Tudo começa agora!”
Ninguém sabia o que significava mas Anania lembrou do bilhete recebido há anos.
Comerciante destacado, tinha muitos contatos, entre eles um delegado que ao ser chamado, veio prontamente.
Examinado o armário com o espelho, descobriu que o espelho na verdade era uma tela plana de altíssima resolução que apresentava a imagem equivalente ao reflexo que um espelho apresentaria da frente do armário, a moldura era na verdade uma antena embutida. Alguém sabia como era o banheiro e havia instalado esse terminal de vídeo que poderia exibir imagens. Desligado, era um espelho, ligado, uma verdadeira TV.
A imagem com o bilhete estava lá. Estampada na tela congelada.
Anania lembrou de Arakel, também o chamou. Ambos agora juntos, lembraram do bilhete do passado mas, mesmo lendo o texto e o recado no espelho, ainda não fazia sentido. Para Elisa, um novo choque e uma tortura mental.
O delegado convocou um especialista em tecnologia forense para retirar o terminal de vídeo e o levar para uma análise pela perícia. Era o que se poderia fazer para tentar encontrar a pessoa que instalou esse objeto no banheiro que Elisa utilizava. Uma coisa era certa, o dispositivo não gravava áudio ou imagem, apenas exibia imagens pré-programadas ou transmitidas via internet, no próprio dispositivo.
Há quanto tempo estava lá, a perícia poderia responder. Quem o colocou lá, não.
Para Elisa, agora uma adolescente, o que importava era a liberdade, algo que para ela, desde que se conhecia como gente, era relativa, já que tinha que andar ao lado de um segurança, constantemente. Agora, como ia ser a sua vida? Não sabia.
Agora mais do que nunca, era preciso saber quem estava por detrás dos dois avisos e por quê.
Por recomendação da polícia, a família ficou reclusa sob a atenção policial, se bem que o teor dos avisos não mencionava nada que pudesse ser interpretado como ação violenta futura.
Alguns diaso depois, o setor de inteligência policial detectou que um grupo nacionalista de independência que visa reestabelecer o regime monárquico e com ele a vingança contra os turcos pelo massacre do povo armênio havido entre 1915 e 1923 era o responsável.
Para coroar alguém, precisavam de um rei e esse rei precisava de legitimidade para ser coroado.
E o que Elisa tinha a ver com isso?
É o que faltava descobrir.
A inteligência policial descobriu o IP de onde vieram as imagens. O endereço físico ficava em uma vila ao centro de Nagorno-Karabakh região sudeste da Armênia, divisa com o Azerbaijão, sede de alguns grupos mais radicais.
Diante disso, o sequestro de Elisa não estava descartado, proteção era fundamental.
Abalada pelos acontecimentos, Elisa passou mal, sendo levada a uma clínica para realizar exames. Ao invés de levá-la ao Erebouni Medical Center, o maior deles cuja segurança seria complexa, decidiram levá-la para a clínica Wigmore, menor mas, muito bem equipado para exames, consultas e diagnósticos.
O médico que atendeu Elisa, rodeada de policiais e seguranças, solicitou alguns exames a serem realizados de imediato. Entre eles, exames de sangue.
Coletada a amostra de sangue, o laboratório passou a processar os testes. Duas horas depois os resultados foram entregues ao médico e para surpresa geral, a tipagem não batia com o que era da Elisa.
O médico solicitou uma contraprova. Desta vez, um policial acompanhou o médico até o laboratório onde descobriram que a amostra coletada da Elisa colhida pouco tempo antes havia desaparecido. Utilizaram uma amostra falsa.
A clínica foi fechada, ninguém entraria e ninguém sairia até que o frasco com a amostra do sangue da Elisa fosse encontrado.
Reforços policiais foram requisitados e uma minuciosa busca foi realizada. Graças a Deus, com sucesso.
Um enfermeiro tinha entre suas vestes, o frasco. Foi preso imediatamente, levado para a delegacia, onde iria falar o que sabe, por bem ou por mal.
Elisa colheu novas amostras e dessa vez, os resultados faziam sentido. Nada de anormal havia com ela, apenas estresse emocional. Medicada e com as recomendações médicas, voltou para casa.
Com o ladrão, a história era diferente. No depoimento inicialmente, nada quis dizer mas, depois de algum “convencimento”, desandou a falar.
Ele pertencia ao grupo de independência da Armenia, um grupo radical, conhecido das autoridades, que estava aparentemente sem ação há algum tempo. Estavam na verdade se armando e aguardando o momento certo para agir.
O envolvimento de Elisa (Elishebba) deu-se porque o DNA, herdado do pai, era compatível com o DNA da rainha Isabel da Armênia que reinou entre 1219 e 1252, portanto, era uma legítima herdeira, a rainha de todos. Anania sabia da sua descendência e não dava a menor importância porque na pequena Armênia, muitos são descendentes de algum nobre do passado.
O roubo da amostra tinha a intenção de ratificar os resultados obtidos com o sangue da própria Elisa colhido quando do teste do pezinho, que Elisa e outros bebês faziam assim que nasciam. Isso implicava que os bebês eram monitorados ao nascer à procura de determinada linha genética nobre. Será necessário investigar mais a fundo.
Os avisos dados pelo grupo extremista tinham a intenção de prepará-la para assumir seu posto de rainha e só se daria após um sequestro.
Descoberta a trama delatada pelo enfermeiro, o exército armênio se deslocou até a região de Nagorno-Karabakh e lá, prendeu os insurgentes, que foram condenados a duras penas e o grupo terrorista foi virtualmente extinto.
Elisa enfim será apenas rainha da sua própria vida.
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